Em dezembro de 1996 e janeiro e fevereiro de 1997, fiz uma bela viagem no sul do Chile.
Nas primeiras semanas, enquanto esperava pelos meus amigos que estavam por chegar, subi alguns vulcões na região dos Lagos Andinos. Essas escaladas estão descritas com mais detalhes no link abaixo:
PRIMEIRA EXPEDIÇÃO BRASILEIRA À PATAGONIA OCIDENTAL:
Em seguida, juntamente com o Fábio, Beto, San, Dimitri, Bruno e Carlos Comesaña fizemos o que chamamos de “Primeira Expedição Brasileira à Patagonia Ocidental”. A idéia dessa viagem partiu do Comesaña, argentino e veterano de escaladas na patagonia (autor da 2º ascensão do Cerro Fitz Roy, abrindo a via “Supercanaleta”). Ele havia sobrevoado uma região da patagonia chilena (lado ocidental da patagonia) e filmado uma montanha bastante interessante, com o nome de Cerro Gaviota. Após isso ele nos convidou, através do Clube Alpino Paulista, para montarmos essa expedição, onde exploraríamos a região e tentaríamos escalar a montanha.
Partimos então de Puerto Montt no navio Navimag (que faz viagem até Puerto Natales) e, em 2 dias, descemos no meio do caminho, em Puerto Éden, um vilarejo de pescadores de uns 200 habitantes, localizado na Isla Wellington. Após alguns dias parados conseguimos a permissão da Marinha Chilena para seguir viagem. Contratamos um barqueiro e seu ajudante, que nos levaram em seu barco de madeira (uma traineira) por dois dias de viagem pelos fiordes. Chegamos no Fiordo Jarpa, onde imaginávamos encontrar o Cerro Gaviota, conforme o Comesaña havia visualizado. No entanto o tempo constantemente nublado, com o teto de nuvens à uns 700 metros de altitude, nos impedia de localizar a montanha facilmente. Também não existia nenhum mapa preciso da região, que indicasse o local da montanha que procurávamos. Dessa forma montamos nosso acampamento base numa pequena baía no Fiordo Jarpa, para, a partir daí, iniciarmos explorações de acesso às montanhas “invisíveis”.
Porém, no segundo dia em que estávamos lá acampados fomos pegos de surpresa por duas ondas que varreram nosso acampamento cozinha e danificaram o leme do barco. Essas ondas foram provocadas por avalanches no glaciar que estava no fundo do fiorde à 3km de distância. Passamos o dia tentando resgatar parte das coisas, seja com nosso bote inflável, para as coisas que estavam boiando, ou entrando dentro d’água para as coisas que tinham afundado e que estavam visíveis. Tinha de tudo: desde comida até equipamentos de escalada. Parte foi recuperada e parte foi perdida. Além disso, grande parte da comida recuperada foi molhada com água do mar, o que reduziu bastante os prazos de validade. Nos dias seguintes os barqueiros se afastaram para consertar a traineira num local mais seguro, próximo à saída do fiorde. E nós começamos a reorganizar nosso acampamento, equipamentos, alimentos e estratégia de exploração. O tempo seguia constantemente úmido, chuvoso, com pouca visibilidade e temperatura entre 5 e 10ºC. Seguimos fazendo algumas explorações.
Um dia eu (Roberto Lacaze) e o Beto (Roberto Vilela) subimos por uma crista rochosa que saía detrás do acampamento e conseguimos chegar até a linha da neve, à uns 700 metros de altitude. Cruzamos um platô, que pareceu ser um bom local para um futuro “acampamento alto”, e subimos mais uma parede rochosa que nos deu acesso ao glaciar superior. Voltamos para o Acampamento Base e, após alguns dias, fizemos todos uma investida pelo mesmo caminho, onde subimos um cume, que chamamos de Sentinela. O tempo continuava constantemente nublado. Ainda não tínhamos sequer conseguido enxergar, ou mesmo localizar, o Cerro Gaviota. Nos dias seguintes iniciamos os transportes de mantimentos e montamos nosso Acampamento Alto. A diferença em relação ao Acampamento Base, é que no Acampamento Alto, em vez de chover sem parar, nevava. A temperatura ficava em torno dos 0ºC.
Após alguns dias de tempo ruim fizemos nova investida. Dessa vez, pela primeira vez, apesar de continuar nublado, as nuvens estavam mais altas e pudemos finalmente ver o Cerro Gaviota. No entanto, pudemos também ver que ele não estava tão perto do local onde estávamos. Nesse dia subimos mais uma montanha virgem, que demos o nome de Cerro Domingos Giobbi (em homenagem ao nosso amigo e fundador do Clube Alpino Paulista). Então, voltamos para nosso Acampamento Base.
Após uma contagem da comida que nos restava, verificamos que tínhamos o suficiente para pouco mais que uma semana somente. Já estávamos lá há mais de um mês. E teríamos provisões para mais um mês tranquilamente, se não fosse o incidente da onda, que levou e também estragou boa parte de nossa comida. Concluindo: já não tínhamos mais alimentação suficiente para subir o Gaviota, justo agora que tínhamos descoberto onde ele estava. Além disso, o fiorde também estava bem mais fechado de gelo do que quando havíamos chegado. E isso nos preocupava, pois nosso barco tinha um casco frágil de madeira e não era feito para navegar no gelo. Então, após longas conversas decidimos encerrar nossas tentativas e retornar.
Partimos de volta para o vilarejo de Puerto Éden, em dois dias de viagem, navegando pelos fiordes. Nossa expedição estava encerrada. Foi uma linda experiência explorar essa região ainda virgem e fazer a ascensão de dois cumes antes intocados.
- Sentinela 1400m (Patagonia Ocidental, Chile; 28/Janeiro/1997 – primeira ascensão: Alessandro Vilela, Dimitri Gadotti, Fabio Cascino, Roberto Lacaze, Roberto Vilela)
- Domingos Giobbi 1650m (Patagonia Ocidental, Chile; 03/Fevereiro/1997 – primeira ascensão: Alessandro Vilela, Bruno Sellmer, Dimitri Gadotti, Fabio Cascino, Roberto Lacaze, Roberto Vilela)
Foto: Navio NAVIMAG, que faz viagem entre Puerto Montt e Puerto Natales, passando por Puerto Eden.
Foto: Puerto Eden, um vilarejo de uns 200 habitantes, à 2 dias de navio desde Puerto Montt.
Foto: A partir de Puerto Eden, seguimos com uma traineira, por mais 2 dias de viagem pelos fiordes. Essa foto foi tirada no local que paramos para acampar, após o primeiro dia de viagem.
Foto: Navegando pelos fiordes numa traineira (com um frágil casco de madeira). Os blocos de gelo tinham que ser constantemente desviados utilizando um arpão.
Foto: "Acampamento Base", após a primeira onda que invadiu o acampamento e levou boa parte de nossos mantimentos, equipamentos e alimentos. A onda foi provocada por uma avalanche num glaciar, à uns 3km de distância de nosso acampamento.
Foto: "Acampamento Alto", à uns 700m de altitude, já na linha da neve.
Foto: Cerro Sentinela (1400m)Foto: No cume do Cerro Sentinela.
Nessa viagem alcançamos dois cumes virgens, que demos os nomes de Cerro Sentinela (1400m) e Cerro Domingos Giobbi (1650m).
Foto: Durante a escalada do Cerro Domingos Giobbi (1650m)
Foto: Cerro Gaviota, nosso grande objetivo, mas que não conseguimos alcançar.
Foto: Cerro Gaviota
Foto: Fiordo Jarpa. As águas do fiorde estavam cobertas de blocos de gelo. No fundo do fiorde pode-se ver o glaciar, de onde veio a avalanche que provocou a onda que invadiu nosso "Acampamento Base".
Figura: Croqui feito por Roberto Lacaze, após a Expedição à Patagonia Ocidental
Imagem extraída do Google Earth: Cerros Gaviota, Domingos Giobbi, Sentinela (ou Centinela, em castelhano). Hoje em dia, com as facilidades do Google Earth, teria sido muito mais fácil planejarmos a expedição e encontrar a montanha que procurávamos (o Cerro Gaviota). Naquela época pudemos contar somente com algumas filmagens realizadas pelo argentino Carlos Comesaña (que sobrevoou a região num pequeno avião) e também com alguns mapas pouco precisos (que sequer mostravam a localização da montanha).
Imagem extraída do Google Earth: Podem ser vistos o Fiordo Jarpa, o local de nosso "Acampamento Base" e o glaciar (à uns 3km de distância do acampamento), de onde veio a avalanche e a onda que invadiu o acampamento. Imagem extraída do Google Earth: Nas margens do Fiordo Jarpa, a pequena baía, onde estava localizado nosso "Acampamento Base".
Mais informações sobre a Expedição à Patagonia Ocidental: http://www.amazon.com.br/lexmark
Após a expedição, de volta à Puerto Éden, passamos alguns dias esperando pelo navio Navimag. O pessoal voltou para Puerto Montt e então para o Brasil. Porém eu (Roberto Lacaze) e o Beto (Roberto Vilela) resolvemos esticar um pouco mais a viagem e descemos com o navio até Puerto Natales. Passamos uma semana no Parque Nacional Torres Del Paine, onde escalamos o Cerro Almirante Nieto e também fizemos uma travessia em glaciar, passando pelo passo Condor, entre as Torres Sur e Central. Esta escalada está descrita com mais detalhes no link a seguir:
http://robertolacaze.blogspot.com/2009/07/parque-nacional-torres-del-paine-1997.html
Texto e Fotos: Roberto Lacaze