Foto: Pedra do Pântano |
Por: Roberto Lacaze
A primeira vez que ouvi falar de Andradas foi numa reunião do CAP, pelo ano de 1998: “– Uma serra com paredes de granito de quase 200 metros de altura ainda intocadas e a apenas duas horas e meia da cidade de São Paulo?” A princípio duvidei das histórias que meu amigo Renato Affonso contava sobre as pedras que havia perto da cidade de Andradas, no sul de Minas Gerais. Parecia improvável que ainda restassem paredes dessa dimensão desconhecidas perto de São Paulo.
Porém, de fato, era verdade. Em 1994, montanhistas de Mogi Mirim (SP) iniciaram a abertura da primeira via na região. Essa rota seguiu por uma grande rampa em aderência, na Pedra do Elefante (também conhecida como Pedra do Diamante) e foi batizada de “Via Normal”. Essa conquista pioneira foi realizada pelos escaladores Pedro Zeneti Junior (também conhecido como “Jacaré”), Alexandre Salzani e Luiz Arede Tavares Junior. Em seguida foram abertas outras vias, que seguem do platô final da “Via Normal” até o cume da Pedra do Elefante. São elas: “Nimbos” (aberta pelos escaladores Pedro “Jacaré” Zeneti e Alexandre Salzani), “Dona Terezinha” (Pedro “Jacaré” Zeneti e Daniela Cristina Lopes) e a “Via Du Jacaré” (Pedro “Jacaré” Zeneti e Luiz Arede Tavares Junior).
No entanto, o potencial da região era enorme e restavam ainda diversas outras pedras inexploradas.
Em 1997, o Renato havia iniciado a conquista de uma via em outra pedra, próxima ao bairro rural do Pântano, juntamente com um francês chamado Antoine. Porém, após as primeiras investidas, este precisou retornar para a França e a via ficou inacabada, na metade da altura da pedra.
Foi aí que iniciou minha participação no montanhismo da região. Num final de semana de outubro de 1998, fui com o Renato para Andradas com o intuito de darmos continuidade à via que ele já havia iniciado. Até sugeri um nome para a via: “Pão Francês”, em homenagem ao Renato (ex-padeiro e descendente de portugueses) e ao francês Antoine. O nome foi muito bem aceito pelo Renato e assim a via ficou batizada. No entanto, esse final de semana foi bastante chuvoso. E escorria muita água pela via, que segue por uma grande canaleta. Estava impraticável. Mas apesar das condições climáticas impróprias, dada a nossa euforia em desbravar aquela linda parede, descobrimos logo ao lado uma área que estava menos molhada, por onde iniciamos a abertura de uma nova via. Depois daquele final de semana, Andradas não saiu mais da minha cabeça. O lugar era mágico!
Estava entrando a estação de chuva e nas vezes seguintes que fomos para lá demos continuidade apenas a essa nova via, por ser mais seca que a “Pão Francês”. No ano seguinte convidamos o Filippo Croso para ajudar na conquista. E foi em agosto de 1999, num final de semana em que eu e o Filippo estivemos lá, que terminamos as duas últimas enfiadas e chegamos no cume. Estava realizada a primeira ascensão da Pedra do Pântano!
Após os rapéis, já na base da pedra, começamos a pensar em um nome para a via. O Renato em outra ocasião havia sugerido que todas as vias daquele setor poderiam ter nomes de pães. O ex-padeiro parecia ter realmente gostado da idéia: Tinha sugerido alguns meses antes o nome de “Baguette” para a via. Eu e o Filippo desconversávamos sempre que caía no assunto. Então naquele dia em que terminamos a via, aproveitando a ausência do Renato, tentamos achar um nome que escapasse daquela obsessão por pães. Mas estávamos totalmente sem idéias. Na realidade poderia ser qualquer nome, menos baguette, baguette não! E foi assim que a via acabou se chamando “Baguette Não”.
Naquela época ainda não sabíamos ao certo o nome correto da pedra. As pessoas do bairro do Pântano apresentavam diversas versões, como: “Pedra Grande”, “Pedra Redonda” ou “Pedra do Pântano”. Talvez “Pedra Grande do Pântano” seja o nome mais correto. No entanto, acabamos adotando a versão mais simples: “Pedra do Pântano”. É curioso também o fato que os habitantes locais pronunciam “Pedra do Pantano” (sem o acento e, portanto, com a tônica no “ta”), e esse se tornou o nome mais comum também entre os escaladores.
Foto: Filippo Croso, durante a conquista da via “Baguette Não”, em 1999, na Pedra do Pântano. (Foto de Roberto Lacaze).
Foto: Filippo Croso e Robeto Lacaze, no cume da Pedra do Pântano, após a conquista da via “Baguette Não”, em 1999. (Foto de Filippo Croso).
Nos meses seguintes demos continuidade aos trabalhos de abertura de vias. Num final de semana de novembro de 1999, eu e o David Henrique conquistamos a segunda metade da via “Pão Francês”, passando por um belo crux numa barriga levemente negativa. A via ficou num estilo bastante tradicional, com várias proteções móveis e alguns lances um pouco expostos. No dia seguinte, eu e o David abrimos outra via linda, de estilo bastante tradicional. Trata-se de uma variante para o trecho inicial da “Pão Francês”, passando por um lance de maior dificuldade técnica. Demos a essa via o nome de “Perdidos no Pântano”.
Começamos também aos poucos a divulgar o local para que outros escaladores se interessassem em conquistar vias ali. Apresentamos a Pedra do Pântano para escaladores de Bragança Paulista, que iniciaram uma nova via, a “Nini Van Prehn”. Mais tarde, os escaladores de Mogi Mirim, que já haviam aberto algumas vias na Pedra do Elefante, também iniciaram a conquista de uma via na Pedra do Pântano. Esta via se chamou “Caninana” e foi finalizada somente em abril de 2001. É uma linda linha que sobe até o cume da Pedra do Pântano, bastante técnica, que foi aberta por Pedro “Jacaré” Zeneti, Daniela Cristina Lopes, Lucas Salton e Eric Luiz Pinheiro.
Certa vez, num final de semana de maio de 2000, buscando uma breve fuga da cidade grande, para dar uma espairecida, acabei indo sozinho para Andradas. Atraído por um fantástico diedro alaranjado, comecei a abrir uma nova via, no setor nordeste da Pedra do Pântano. Dei o nome de “Tendências Sociofóbicas”. Foi um final de semana revigorante. Justamente o que eu estava precisando para poder retornar à rotina agitada da cidade de São Paulo.
Realmente é uma região fantástica: Um lugar bucólico, cercado por uma rica natureza e habitado por pessoas simples, mas de imensa hospitalidade e generosidade. Fica encravada na serra da Mantiqueira, onde neste trecho especificamente, recebe o nome de Serra do Pau D’Alho, com altitudes variando entre 900 e 1600 metros. A vegetação que resta preservada nas montanhas é abrigo para diversos animais nativos. Várias vezes vimos passar bandos de quatis na base da pedra, ou, enquanto escalávamos, pudemos observar macacos pulando nas copas das árvores. E ainda, conversando com as pessoas locais, é possível ouvir histórias de onças, que de vez em quando aparecem para atacar o gado. Cobras também são avistadas com certa frequência, principalmente as cascavéis.
Em novembro de 2000 voltei junto com o Pedro Teixeira e o Carlos “Billy” Barreto para continuarmos a “Tendências Sociofóbicas”. Até esse momento todas as conquistas haviam sido feitas com talhadeira. Porém, a partir de março de 2001, de posse de uma furadeira, pudemos acelerar os trabalhos. A segunda metade da via foi conquistada em abril, por mim e o Filippo. Quando abrimos as duas últimas enfiadas, após escalar ao longo do dia inteiro, chegamos já no escuro num pequeno platô, onde montamos uma parada. Estávamos debaixo de uma pequena parede. Era noite e não conseguíamos visualizar quanto nos faltava para o cume. Após colocar os grampos da parada, decidimos descer. No dia seguinte escalamos novamente a via. E ficamos bastante surpresos e contentes, quando, após subir apenas mais 5 metros acima da parada que havíamos feito no final do dia anterior, percebemos que já estávamos no cume! Encontramos a parada da via “Caninana”, que o pessoal de Mogi havia terminado dois dias antes, e rapelamos por ela.
A partir de 2001 houve um salto na frequência de escaladores na região. E com isso começaram a proliferar novas vias na Pedra do Pântano. São desta época as vias “Universo Paralelo” (que eu, o Filippo e o Jacaré abrimos), “Invasores” (eu, David, Maykel Kawamura e Gustavo Oliveira), “Titã” (Jacaré e Daniela), “Urubu na Nóia” (Jacaré e Daniela) e “Mugido da Vaca Louca” (Jacaré e Daniela), entre outras.
Até então, sempre que íamos escalar na região, ficávamos acampados numa pequena mata, ao lado da estrada de terra, em frente à Pedra do Pântano. O local era muito agradável para acampamento, mas não tinha nenhuma estrutura como banheiro ou água potável. Era um acampamento selvagem: Algo que adoramos. Porém, na medida em que aumentava a quantidade de montanhistas frequentando a região, era evidente a necessidade de uma preocupação com os possíveis impactos que estariam sendo gerados. Assim, em julho de 2001 foi inaugurado o Abrigo de Montanha Pântano. O primeiro abrigo para montanhistas da região foi uma iniciativa do Jacaré, da Daniela e do Henrique Lima, que alugaram uma casa no bairro do Pântano, onde montaram diversos beliches e disponibilizaram banheiro e cozinha.
O ano de 2002 marcou uma busca por novas pedras na região, além das já conhecidas Pedra do Elefante e Pedra do Pântano. Em abril de 2002, eu, o Filippo e o Jacaré começamos a explorar a Pedra Rajada, onde abrimos uma via chamada “Twister”. Linda via, que segue por um sistema de fendas e diedros. Em seguida, também na Pedra Rajada, o Filippo e o Jacaré abriram a via “Phantomas”: Bela e difícil, é uma via em fenda, toda com proteções móveis.
A Pedra do Boi, uma imponente formação localizada entre as Pedras do Pântano e do Elefante, também teve suas primeiras explorações por essa época, quando o Henrique e o Filippo começaram abrir uma trilha pela mata até sua base. Após algumas tentativas eles chegaram finalmente na base da pedra, onde de imediato localizaram um lindo diedro de aproximadamente 50 metros com uma fenda perfeita. Nesse local, o Filippo e o Jacaré começaram a abrir a primeira via da Pedra do Boi. Depois de várias investidas, a via foi concluída até o cume em junho de 2002. A via recebeu o nome de “Irmãos Rocha”.
Esse nome retrata uma nova fase de conquistas em Andradas e a importância fundamental que a dupla Filippo e Jacaré teve para o desenvolvimento da escalada na região. Nessa época, os dois “irmãos rocha” estavam indo todos os finais de semana para Andradas, abrindo via atrás de via, devorando as pedras. Desta mesma fase são as vias “Anti Matéria”, “Hidrologia”, “Reação em Cadeia”, entre outras, abertas pelo Filippo e o Jacaré na Pedra do Boi; assim como outras na Pedra do Pântano, tais como a “Nirvana” (Filippo e Jacaré) e a “Metamorfose” (Jacaré, Daniela, Filippo e Eric), entre tantas mais que foram sendo abertas em seguida. A partir daí, o Filippo e o Jacaré se estabeleceram como os escaladores que conquistaram maior número de vias na região. Movidos por uma enorme sintonia quanto ao espírito de fazer montanhismo, construíram os pilares da escalada na região de Andradas. Os dois irmãos – não irmãos de sangue, mas sim irmãos de rocha, irmãos de escalada – são, sem sombra de dúvidas, as peças mais importantes do montanhismo na região. Filippo Croso e Pedro “Jacaré” Zeneti são duas figuras exemplares, não somente pela quantidade e pela beleza das vias que abriram, mas principalmente pela maneira como fizeram: com humildade e total entrega de si mesmos ao que estavam construindo. A partir da união dessa dupla, no ano de 2002, o montanhismo em Andradas começou a caminhar no rumo para se tornar um dos principais points de escalada do país – que é atualmente.
Foto: Pedra do Boi. (Foto de Roberto Lacaze).
Durante todo esse período, a Pedra do Elefante, que tinha sido o berço das escaladas da região, esteve um pouco de fora do centro principal das atenções. Entre 1998 e 1999 foi aberta a via “Vulcano” (Pedro “Jacaré” Zeneti, Alexandre Salzani e Fernando Godoi), que segue uma linha bonita até o cume da pedra. Em 2002, os paranaenses William Lacerda, Daniel Valentin Santos e Marcelo Pereira, além de algumas vias na Pedra do Boi, também abriram duas vias na grande rampa da Pedra do Elefante (no setor conhecido como “Tromba do Elefante”). Em seguida, foi aberta a via “Téquenfim”, pelos escaladores Alexandre Salzani e Fernando Godoi. Em 2004, foi conquistada a via “Era do Gelo” (Pedro “Jacaré” Zeneti, Daniela Cristina Lopes e Sebastião Soares de Lima Junior). Até então todas as linhas estavam localizadas na chamada “Cabeça do Elefante”.
Até 2005, ainda não havia sido concluída nenhuma via na bela e imensa parede do “Corpo do Elefante”. Nessa época eu estava morando em Porto Alegre e já estava há alguns anos longe de Andradas. De férias no trabalho, em janeiro de 2005, fui passar algumas semanas em São Paulo. E, logicamente, reservei uma semana para matar as saudades de Andradas. Foi uma semana intensa de escaladas, que passei junto com o Filippo, em meio ao tempo instável de verão e longos dias de escalada, abrindo uma via no “Corpo de Elefante”. Acordávamos todos os dias às 5:15 da manhã, fazíamos a caminhada de aproximação até o Elefante, passávamos o dia na pedra e voltávamos de noite para o Abrigo. O esforço foi recompensado: Conquistamos uma bela linha, de aproximadamente 200m, que teve que receber o nome de “Cinco e Quinze”.
Ao longo de 2005 e dos anos seguintes, diversas outras lindas vias foram abertas no “Corpo do Elefante”, tais como: “Zênite” (Rodrigo Zuccon, Pedro “Jacaré” Zeneti, Filippo Croso) e “Paredão CEAR” (Filippo Croso, Rodrigo Zuccon, Pedro “Jacaré” Zeneti, Marco Nalon). Aliás, o nome “Paredão CEAR” é uma homenagem ao clube de montanhismo local, o C.E.A.R. (Centro Excursionista Andradas e Região), fundado em fevereiro de 2004 no Abrigo do Pântano pelos escaladores que mais frequentavam a região.
Foto: Pedra do Elefante. (Foto de Roberto Lacaze).
Hoje também já foram exploradas diversas outras pedras, tais como a Pedra do Campestrinho (ou da Boa Vista), a Pedra da Onça, a Pedra do Divino, o Filhote do Elefante, a Falésia dos Lobos e o New Paredão. Além disso, a região conta também com um campo de boulders, com diversos blocos e vias, localizados próximo ao bairro do Pântano. A região de Andradas oferece uma boa diversidade de vias, que vão do estilo tradicional ao esportivo. Tem escalada para todos os gostos: vias bem protegidas, vias expostas; vias em livre, vias em artificial; vias com proteções fixas, móveis ou mistas; vias longas, vias curtas. Além disso, a região já conta também com outro abrigo, além do tradicional Abrigo de Montanha Pântano: É o Abrigo do Velho, que também fica no bairro do Pântano e pertence ao Henrique Lima, grande figura do montanhismo de Andradas, que sempre demonstrou enorme empenho no bom relacionamento e apoio à comunidade local. O Henrique certamente é mais uma peça fundamental na história do montanhismo de Andradas.
Enfim, atualmente já se pode afirmar seguramente que Andradas é um dos principais locais de escalada em rocha frequentado por montanhistas do estado de São Paulo e do sul de Minas Gerais.
Mais informações: Escalada em Andradas - Informações e Croquis
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